01 de Fevereiro de 2022
A Nova Lei de Câmbio e a abolitio criminis da evasão de divisas
Paula Lima Oliveira*
A nova lei do mercado de câmbio (Lei nº 14.286/21),
que passará a vigorar em 30 de dezembro de 2022, trouxe significativa mudança
legislativa que impacta condenados, réus ou investigados por suposta prática do
crime de evasão de divisas com valores de até US$ 10 mil (dólares).
A lei revoga o art. 65 da Lei nº 9.069/95, que
permitia ao cidadão sair do país com no máximo R$ 10 mil (reais) em espécie,
sem obrigatoriedade de declarar o total à autoridade brasileira. Pelo art. 14
da Lei 14.286, elevou-se o valor para US$ 10 mil (dólares), criando a abolitio
criminis da conduta antes praticada por pessoas condenadas por deixar o
país conduzindo em espécie de R$ 10 mil (reais) a US$ 10 mil (dólares), neste
último caso, algo em torno de R$ 55 mil (reais), hoje. Vale dizer que a abolitio
criminis elimina in totum os efeitos penais da condenação, pois a
conduta se torna atípica e só permanecem os efeitos civis.
Continuam a existir discussões acaloradas sobre se a
lei penal mais benéfica pode retroagir durante a vacatio legis, o
período de um ano desde a publicação da lei até ela entrar em vigor.
Filiamo-nos, por óbvio, à Constituição Federal, que determina que lei penal há
sempre de retroagir em benefício do réu. É dizer, pois, a vacatio legis
não impede que a lei penal opere os efeitos mais benéficos, dado existir uma
lei posterior. Inequivocamente, muda a visão do Estado sobre elemento normativo
do tipo penal de evasão de divisas, e tal fato não pode ser ignorado durante um
ano inteiro. Entendimento contrário a esse seria injusto e violaria o direito
fundamental à liberdade de milhares de pessoas condenadas.
É fato, porém, que o tema não foi enfrentado com
firmeza nos Tribunais Superiores, e a doutrina se divide em defesa da
possibilidade ou da impossibilidade de a lei penal retroagir durante a vacatio
legis.
O crime de evasão de divisas é dividido em três
condutas típicas previstas na Lei de Crimes Contra o Sistema Financeiro
Nacional (Lei nº 7.492/1986). A primeira é efetuar operação de câmbio não
autorizada com o fim de promover evasão de divisas do país; a segunda, enviar
moeda ou divisas para o exterior sem autorização legal; e a terceira refere-se
a manter em conta no exterior valores não declarados à Receita Federal.
Percebe-se que a primeira conduta descrita no tipo
penal é preparatória para a evasão de divisas. Basta que se realize a operação
cambial com a intenção de mandar moeda estrangeira para o exterior. A segunda é
a evasão de divisas propriamente dita, que, para ser considerada crime, deve
ocorrer sem autorização legal. Trata-se, pois, de norma penal em branco que
requer complemento por outra norma, neste caso específico, a nova Lei do
Mercado de Câmbio.
Em 2020, duas resoluções do Conselho Monetário Nacional
(CMN) haviam trazido importantes mudanças nos valores para fins de autorização
legal e declaração ao Banco Central do Brasil. A Resolução CMN nº 4.844/2020
subiu de R$ 10 mil (reais) para R$ 100 mil (reais) o valor a partir do qual é
obrigatório informar ao Banco Central movimentações em contas de pessoas
físicas ou jurídicas no exterior. Já a Resolução CMN nº 4.841/2020 aumentou de
US$ 100 mil (dólares) para US$ 1 milhão (dólares) o valor a partir do qual
pessoas físicas ou jurídicas devem fazer a declaração anual de Capitais
Brasileiros no Exterior (CBE).
Esses elementos comprovam o desejo do Governo Federal
de reparametrizar antigas regras que complementam os crimes cambiais. Como se
sabe, considera-se crime a evasão de divisas porque o Estado brasileiro entende
que devem ser tuteladas as reservas cambiais do país.
Obviamente, os efeitos trazidos pela nova Lei do Mercado de Câmbio quanto ao crime de evasão de divisas não serão conhecidos de imediato, porque resta discutir se a lei penal mais benéfica poderá retroagir mesmo durante a vacatio legis. Outros fatores também influenciarão, como a flutuação do câmbio até o fim de 2022 ou o posicionamento de algum Tribunal quanto à retroação. De todo modo, embora não produza efeitos imediatos, a alteração é muito bem-vinda, porque, para sair do Brasil com moeda nacional ou estrangeira, os valores estavam desatualizados havia mais de duas décadas.
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