04 de Maio de 2023


80 anos da CLT: necessidade de avanço para um novo código trabalhista

*Maria Gabriela Lopes de Macedo

 

No dia 1º de maio a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) comemora 80 anos de sua assinatura, sendo incontestável marco na história dos direitos dos trabalhadores. Como diz Márcio Túlio Viana, advogado, pós-doutor de relevância para o Direito do Trabalho, a CLT é “uma flor do cerrado que cresceu em chão duro, pobre e difícil”.

Mas o cenário da publicação dessa lei trabalhista, anterior à Constituição de 1988, já não é mais o mesmo de outrora. O perfil do trabalhador médio já não é mais o do chamado chão de fábrica, que executa atividades manuais exaustivas e tem pouca instrução. Hoje, o trabalhador médio é aquele munido de informação e tecnologia. Passados 80 anos, os meios de produção, as tecnologias e as formas de trabalho sofreram alterações substanciais, de modo que o Decreto-Lei nº 5.452/1943 (dita CLT) se distancia a cada dia mais da sua versão original.

Em razão das substanciais modificações nas formas de prestação de serviços, foram editadas várias leis esparsas para regulamentar setores específicos da economia, como a Lei dos Motoristas (Lei nº 13.103/2015), Lei dos Trabalhadores Domésticos (LC 150/2015), Lei do Trabalho Temporário (Lei nº 6.019/1974), Lei do Piso Salarial dos Professores Públicos (Lei nº 11.738/2008), entre outras.  Além disso, foram publicadas leis que modificaram o próprio texto da originária CLT, acrescentando, revogando ou modificando diversos de seus dispositivos, como a Lei da Liberdade Econômica (Lei nº 13.874/2019), a Lei de Inspeção do Trabalho (Lei nº 7.855/1989) e, a que trouxe mais alterações à referida consolidação, a Lei da Reforma Trabalhista (Lei nº 13.467/2017).

O objetivo, com a assinatura da CLT, era fazer uma verdadeira consolidação da legislação trabalhista, criando também algumas previsões normativas, de modo a articular, organizar e complementar a legislação laboral brasileira, com um bloco lógico e integrado de normas. Contudo, a legislação laboral já sofreu inúmeras modificações, acabando por reformar vários dispositivos da CLT e retirar-lhe a sua uniformidade.

As muitas modificações sofridas pela CLT fazem com que a nossa flor do cerrado tenha se tornado uma colcha de retalhos, perdendo a própria natureza de consolidação. A ausência de uma lógica integrativa de seus dispositivos, além de afastar a CLT da nova realidade das prestações de serviços, deixa aos magistrados a função de interpretação de seus preceitos. Num país de tamanha extensão como o Brasil, como era de se esperar, acabaram surgindo as mais diversas decisões judiciais e a mais intensa insegurança jurídica, para os trabalhadores e empregadores.

Em meio à instabilidade da legislação laboral, o Supremo Tribunal Federal já interveio em algumas ocasiões, declarando inconstitucionais os posicionamentos de tribunais trabalhistas em temas como a terceirização (ADPF 324). A questão da caracterização ou não de vínculo de emprego em uma prestação de serviços também é tema sensível que tem gerado muita insegurança jurídica (que poderia ser amenizada com a importação e alguns conceitos de legislações internacionais, como Portugal e Espanha).

Independente das críticas e soluções apontadas, o fato é que a CLT há algum tempo perdeu sua natureza de consolidação. E a ideia inicial era mesmo fazer uma consolidação, diferente de um código, com a função de organizar a legislação existente e criar alguns conceitos fundamentais novos, deixando as portas abertas para as mudanças que estariam por vir (muito mais latentes à época).

Mas, após tanto tempo de legislação laboral vigente, não estaria na hora de parar de “remendar” a CLT e criar um real código do trabalho (como ocorre em diversos países)?

A nossa flor do cerrado tem relevância indiscutível para assegurar os direitos resultantes das lutas dos trabalhadores, mas é incapaz de perdurar para sempre e de acompanhar as expressivas mudanças nos modos de prestação de serviços (inclusive com a nova era digital). A exemplo da própria CLT, que foi marco do contexto histórico do século XX, há a necessidade de uma nova codificação, uniforme e integrada, mantendo o núcleo essencial dos direitos conquistados (muitos, inclusive, constitucionais) e, ao mesmo tempo, marcando a nova era e realidade laboral do século XXI, como novos conceitos, direitos e deveres laborais.

*Advogada do escritório Caputo, Bastos e Serra Advogados, Mestranda em Direito Laboral pela Universidade de Lisboa, Pós-graduada em Direito do Trabalho pela PUC/RS. Membro da Comissão de Direito do Trabalho da OAB/DF.